Sopor Aeternus e a experiência Simbólica
Fundada na Alemanha em 1989 , Sopor Aeternus & The Ensemble of Shadows é um dos últimos e únicos projetos no mundo da música gótica a reconstituir os conceitos próprios da subcultura em termos de Arte (segundo a própria Anna-Varney Cantodea). A banda no conjunto da música, se baseia tanto em elementos eruditos (música clássica, barroca, medieval) quanto elementos de bandas eletro-góticas alemãs. Sopor é considerado Darkwave/Gothic, mas seu conjunto de estilos é único. Para Anna-Varney Cantodea, vocalista do Sopor Aeternus, o conjunto sempre permanece completamente gótico. A banda une poesia e aparência visual baseada na expressão individual da dor, isolamento, depressão, além da busca desesperada pela união sagrada.
Anna-Varney Cantodea é a mente por trás do exibicionismo introvertido, o conceito holístico de arte ritualística/junguiana. Esse não é o conceito comumente aceito por estética em um mundo que clama por beleza de padrões pré-estabelecidos, mesmo no universo gótico. Isso dá ao trabalho de Sopor Aeternus um caráter original. Anna-Varney se recusa a fazer shows ao vivo, permanecendo a magia de sua estética intocável. Provavelmente, Anna-Varney elaborou seu conceito baseado na interpretação de Jung sobre a importância da obra de arte.
Jung elaborou seus estudos na relação da psicologia analítica e a obra de arte, conectando ligações entre a experiência artística e a psicológica. O processo criativo (criação da obra de arte) consiste na ativação do arquétipo até a finalização da obra em um diálogo entre consciente e inconsciente. O artista, para Jung, é o homem coletivo que exprime a alma inconsciente da humanidade mergulhando profundamente no ato criador.
A postura do poeta Rimbaud na pintura “Un coin de table” (1872) de Henri Fantin-Latour é um dos símbolos universais da pintura para a melancolia, que também foi utilizado em Melancolia I de Dürer.
Em Sopor Aeternus, temos um esboço desse gesto, usado para representar a melancolia, o predomínio da bílis negra para os medievais (teoria que partiu de Hipócrates em V a.C.). Um humor em que a genialidade e o amor pela arte é uma qualidade, porém há também a depressão e a obscuridade. Menções ao planeta Saturno são uma constante no trabalho de Sopor Aeternus, esse planeta é associado à melancolia. Nesse caso, o gesto não se completa. Seria uma fragmentação entre os opostos realidade e fantasia, já que a melancolia também é identificada com a esquizofrenia e a paranóia, tipos clínicos de psicose? Melancolia é a dor de existir. Para Jung, o arquétipo é uma espécie de imagem incrustada no inconsciente coletivo da humanidade que é percebida através de projeções em vários aspectos da vida cotidiana, como sonhos e histórias. Com isso temos muitas repetições de uma mesma experiência, através de gerações, que pode explicar porque alguns aspectos da mitologia de vários povos são tão semelhantes. Ou porque nos sentimos atraídos por períodos históricos antigos, experiências que não vivenciamos. Os arquétipos são a porção invisível dos símbolos.
O artista formata e traduz na linguagem do seu tempo, imagens primordiais ou arquétipos que tornam acessíveis aspectos mais profundos da vida, como a tristeza sem saber o motivo, a chamada melancolia. O espírito da época é educado dessa forma, trazendo à tona formas que o coletivo precisa naquele determinado momento. Através de Jung podemos entender a arte como produtora de símbolos transformadores para a alma humana. Por esse prisma, podemos compreender porque a arte de algumas culturas da humanidade são tão próximas e alguns símbolos são tão utilizados. Seria a forma de justificar por qual motivo o gótico do final dos anos 70 se guiou por mais ou menos os mesmos meios simbólicos.
A melancolia também se identifica com a esquizofrenia e a paranóia, tipos clínicos de psicose. Melancolia é a dor de existir.
Um dos arquétipos de profunda importância para Anna-Varney é a morte. O próprio nome de seu projeto se chama “Sopor Aeternus” ou seja, Sono Eterno. Anna acrescentou “The Essemble of Shadows” por causa da influência dos mortos em seu trabalho, como ela já explicou. Uma de suas músicas “Es reiten die toten so schnell”, foi inspirada em versos do poema Lenore do escritor alemão Gottfried A. Bürger, que significa “Porque os mortos cavalgam rápido”.
“Tens medo, amor, também? A lua resplandece!
Hurra! Mortos cavalgam veloz!
Tens medo, amor, dos mortos também?
Que nada, amor, deixe os mortos em paz!”
(Lenore – Gottfried A. Bürger)
O simbolismo da mariposa remete à morte. A mariposa era chamada de “Sol Negro” pelos astecas porque atravessa os mundos subterrâneos em suas viagens noturnas. A mariposa seria uma morte transformadora, pois depois de ser uma lagarta ela é transformada em mariposa, um ciclo de transformação que também remete à imortalidade. Nas nossas vidas não somos sempre os mesmos, mudamos de acordo com as transformações em nossas vidas.
Além disso o conflito da sexualidade de Anna-Varney Cantodea é abordada em suas músicas. Esse nome foi assumido como um pseudônimo, já que ela já afirmou ter nascido homem em entrevista. Ela alega não mudar de sexo através de cirurgia devido a conflitos espirituais ligados ao procedimento. Anna diz que não quer pertencer a nenhuma das duas categorias, nem homem e nem mulher. Com ajuda de manipulações gráficas, body art, roupas e maquiagem, sua imagem bastante diferente dos padrões também transmite dualidade e nos faz perguntar o que seria essa pessoa. Ou de acordo com seus conceitos grotescos, essa criatura do mundo das sombras.
Segundo a própria mentora do projeto, “Sopor Aeternus” é altamente recomendado para ser abordado apenas por um coração e mente abertos, profundamente obscuros e ocasionalmente com um humor subversivo. A ainda frágil arte multi-camadas de Anna-Varney destina-se principalmente como um processo de cura espiritual para a alma ferida.
Texto inspirado no conceito apresentado pela banda em sua página http://vampirefreaks.com/SoporAeternus
Nossa que profundo isso… eu não sabia que ela não fazia shows. Já tentei ouvir algumas vezes a música da banda mas não é meu estilo, acho que não era o momento, em compensação, a arte e a estética da banda são interessantes!
Amei o Melancolia I de Dürer, não conhecia… o curioso é que esta semana eu estava pesquisando sobre a palavra “melancolia”, e eu adorei todo essa gancho do texto que você da melancolia vai pra morte e pro significado da mariposa… nossa, por isso adoro ler aqui, é sempre uma experiência cultural rsrsrs!!
Tenho curiosidade de saber como é na “vida real”, se ela usa roupas normais e maquiagem, como ela se mostra pro mundo fora dessa imagem artística.
Experiência cultural Sana X) Obrigada! É sempre bom escrever sobre o tema melancolia e adoro observar isso na arte de maneira geral.
Texto muito bem escrito!
Quanto ao comentário de cima, creio que não há necessidade de conhecer um artísta do nível da Anna em sua “vida real”, pois que justamente esta parte não é a que deve interessar.
Belíssimo post
Houve sensibilidade no texto a altura do conceito da banda.
J Tanatos e Vagner, obrigada!
Eu não me recordo onde vi o quadro Melancolia I. Não me lembro nem se foi em filme ou em livro, rs…
Eu tenho um professor e amigo do mestrado do CES que iria adorar a forma como você passeia com segurança entrelaçando “psicanálise” e cultura.
Anna Varney é uma artista incrível! Conheci a banda há pouco tempo e não consigo parar de ouvir suas músicas. Em um primeiro contato houve aquele estranhamento devido a aparência e todas as expressões dela nos videoclipes, mas logo passou. Ultimamente a vida não tem sido fácil, muitos conflitos internos, e ter encontrado essa artista foi uma das melhores coisa que já me ocorreu nesse ano de 2022. O anonimato de Anna Varney faz com que a música dela se torne mais genial e encantadora.